Desde 10.03.2006
Número de Visitas

 


Arpão na Mão

João Sombra

Chegamos a Maceió, em meados de 1983, trabalhando com nosso irmão Caio Porto na EMATUR e elaborando o Projeto da Marina Maceió. Este se realizado, seria hoje um dos maiores pólos náuticos do nordeste. Infelizmente, por falta de visão dos políticos, à época, o projeto se perdeu e Maceió, ou melhor, Alagoas, não aproveitou esta notável oportunidade. 

Naquela época, com Caio, estávamos sempre na caça submarina. Por vezes ao raiar do dia, íamos ao Saco da Pedra, nos costões que se iniciam na entrada da Lagoa do Mundaú e tem seu termino na inigualável e bela Praia do Francês, que afirmamos com certo conhecimento de causa, ser das mais belas praias do mundo. 

Meus filhos e os do Caio, como nos, viviam como irmãos, sempre juntos. Por vezes, nos, os pais, chegávamos da EMATUR, e nossos filhos ora se encontravam em minha residência, ora na belíssima mansão do Caio às margens da Lagoa do Mundau, no Pontal da Barra, onde o astro rei ao termino de seu dia de reinado, no verão, deixava todos dourados e sorvíamos aquela loura também gelada. Eram momentos de descontração, onde gravitavam figuras impares, como Arlindo Chagas, Bianot, Toroca e Suruca. 

Mas, e como no processo de evolução natural dos filhos, que vem seus pais como heróis, alguns se lançaram à caça submarina. 

No caso do Caio, o KAYAN que tinha uns 10 a 12 anos e se iniciava em seus primeiros mergulhos conosco. Uma destas feitas é que se encerra o relato em pauta, que para nos é uma honra maior fazer parte integrante deste livro.  

Saíramos cedo, na lancha do Caio, aquela de convés coberto, das primeiras do Caio e sobejamente conhecida por todos em Maceio, notadamente dos freqüentadores da Piscina Natural da Pajuçara, foco de atenções e das maiores alegrias para os que lá chegavam. Íamos Caio, Kayan, Dyda e este relator. 

Dyda, pela vez primeira, fazia-se ao mar, excelente cantor, judoca e amigo de forma ampla e com hemorragias plenas de alegrias, sempre estampadas em seu farto e simpático sorriso. 

Saiamos da mansão do Caio, à lagoa, demandando a boca da barra e de lá aproamos para o Saco da Pedra.  Lançamos ferro por volta 6:30 h, de uma bela manhã de sol e vento terral, onde o mar se tornava um aquário, face à limpidez de suas águas. 

O sempre proceder dos caçadores ocorria, e agora com o aprendiz Kayan, que viria a se tornar no futuro dos melhores mergulhadores de Alagoas, quiçá do Brasil. 

O pequenino Kayan aprendia rápido, e checávamos as armas. Uma destas. Por sinal, com o gatilho muito leve, doce como costumamos dizer, seria utilizada pelo Caio. 

Caiamos nagua. Dyda de inicio, se mantivera na lancha. Lá à frente os cardumes de Serra iam e vinham, aquela beleza que o fundo do mar nos oferta e por vezes esquecemos a caça e mais admiramos o extraordinário mundo submerso os ruídos e suas cores de vida tudo nos eleva a momentos de êxtase. 

Com de praxe, em todos os mergulhos que sempre fizemos, a “gangorra” era o objeto constante. Ou seja, um companheiro mergulha, o outro, à flor dagua, acompanha o mergulhando e seus movimentos e vice-versa. 

Kayan arpoa um Serra, e Caio, ao armar a Cobra ataque, o arpão dispara e por infelicidade atinge direto a mão direita do exímio caçador que Caio sempre foi. Alarme, sustos e rápido quase que andando sobre as águas retornávamos todos á lancha.  

A pressão do arpão fizera com que a corrediça se inserisse também na sua mão, alojando-se entre os tendões do dedo indicador e maior, de tal sorte que o arpão ia e vinha facilmente ao tempo em que a corrediça fazendo pressão entre os dedos evitara a hemorragia. Todavia, deveríamos volver e com maior das pressas ao Pronto Socorro, pois se tal situação perdurasse por mais tempo algo de grave poderia vir a ocorrer. 

Kayan, na sua meninice, mirando seu pai e ídolo naquela situação, debulhava-se em lagrimas e, pela idade, o pânico era seu maior sentimento. Não que nos adultos não estivéssemos na mesma postura, só não ainda chorávamos. 

Dyda rapidamente recolhera a ancora, este relator ao timão e Caio sentado, tendo a seu lado Kayan, segurava firme o arpão, e demandávamos à boca da entrada da lagoa. A maré baixa tornava o acesso da lancha, na boca da barra, impossível, mas tentaríamos impulsionando a embarcação com todo o motor avante. Não obstante toda a tentativa acabamos literalmente encalhados.   

Caio nos solicitava ficássemos de prontidão na lancha que ele e Kayan, iriam para sua mansão na canoa de um pescador conhecido que passava no local.  

Em cerca de 3 horas, aguardamos a maré alcançar o nível que nos possibilitaria estarmos safos, com água suficiente para demandarmos ao encontro do Caio. Chegamos lá, e Caio, tendo sempre a seu lado o Kayan, que o abraçava feliz da vida, por tudo ter se resolvido de forma satisfatória com seu ídolo. 

Caio, ainda por cerca de 1 mês, manteve a mão imobilizada logo, depois voltávamos as nossas atividades submersas novamente, e sempre com o aprendiz Kayan. 

O tempo passou, o menino Kayan tornara-se um extraordinário caçador, dos melhores que já conhecemos, como no inicio deste texto afirmáramos. O sucesso da caça submarina se houve também no surf, depois no jiu-jitsu e finalmente como expoente e diferenciado líder político, vereador da Barra de São Miguel e Presidente da casa de seus pares naquele município. 

Era dia 19 de abril, estávamos terminando a gravação do Programa do Jô, em São Paulo, quando no retorno ao camarim, recebemos telefonema de nossa Almiranta Balbina, nos reportando do desaparecimento do Kayan. Eram 18:00 h. De imediato fomos para Internet e checávamos nossos e-mails, dentre eles aquele do irmão Guiga que nos colocava em detalhes o ocorrido.  

Estávamos estáticos, com de resto todos os mergulhadores de Alagoas. Por volta das 4:00 h da manhã, volvia a chamada de que não desejávamos receber, acharam o nosso querido aprendiz dos velhos tempos suave dormindo no fundo do mar. O desconforto, o impossível, a calamidade se abatia sobre nos, sobre a querida família Porto, sobre Maceio e sobre Alagoas. Tudo se tornou vazio e mudo na náutica e seus segmentos, onde o querido Kayan se houve, sempre, como exemplo de superior destaque. 

Como aposto em texto que redigimos á época, e se encontra em destaque em pagina do KAYAN, no site oficial do GUARDIAN reiteramos; 

“Surfe pelas estrelas e mergulhe nos brancos das nuvens, querido irmão Kayan, breve estaremos fazendo o mesmo juntos recordando nossos momentos quando as lembranças como agora neste texto, convivemos com o Caio, Dyda, você e o ARPÃO NA MÃO.”

Voltar à Kaian Porto