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O 
Guardian, embarcação na qual João Sombra  e a família cruzaram o mundo 
O 
arquiteto carioca João Sombra tem 70 anos, é aposentado pela Caixa Econômica 
Federal, casado e pai de dois filhos. Ele poderia ser um senhor de terceira 
idade curtindo em casa o descanso e tranquilidade possibilitados pela 
aposentadoria, mas está bem longe disso. João Sombra é melhor definido como 
aventureiro, surfista, caçador.   
Um velejador experiente que, com muita 
disposição, curiosidade e coragem, se lançou ao oceano para uma viagem de volta 
ao mundo a bordo de um veleiro, numa aventura que durou 10 anos “E a segunda 
volta ao mundo já está em curso”, conta o Sombra.   
            Com tatuagem no braço, uma longa barba grisalha e uma boina de 
marinheiro, João Sombra é uma figura pitoresca, que atrai a curiosidade já a 
primeira vista. Ele está de passagem aqui por Torres, e o Jornal A FOLHA 
aproveitou a oportunidade para conversar com “o Capitão”, como ele é conhecido 
pelos amigos. Homem do mar, sua primeira experiência com a vela veio aos 9 anos. 
“Comecei com um pequeno veleiro pinguim quando criança, e desde cedo já sonhava 
em um dia cruzar os oceanos numa embarcação”.   
            A paixão pelos mares foi crescendo com o passar dos anos, João 
Sombra foi se aperfeiçoando como velejador, adquirindo embarcações maiores, 
explorando novos lugares. Além disso ele também foi tomando contato com a 
pratica o surf, que ainda engatinhava no Brasil nos anos 60 e 70. Porém, o 
desejo de velejar  e surfar do “capitão” dividia atenções com seus deveres 
profissionais, sua atuação no serviço público junto a Caixa e ao BNDES. “Quando 
trabalhava, as férias eram o tempo para viagens mais longas. Velejei por toda a 
costa do Brasil nestes períodos, de norte a sul, e a família também me 
acompanhou”. 
Volta ao Mundo 
Mas um lado aventureiro do capitão não se contentava em velejar apenas pelo 
Brasil. Ele estava sendo chamado pelos mares, sedento por novas viagens, por 
conhecer novas culturas. E em 1996, Sombra aderiu ao programa de demissão 
voluntária da Caixa, e com isso conseguiu o dinheiro necessário para a aquisição 
do Guardian, um belo veleiro de 43 pés que seria sua fiel embarcação num ousado 
projeto de volta ao mundo.   
Após velejar pelo Caribe, acompanhado sempre de sua esposa (Balbina) e filhos 
(Átila e Alexandre), foi em maio de 1996 que João Sombra partiu de San Diego 
(EUA) a bordo do Guardian, para uma viagem que duraria 10 anos. Em seu 
planejamento, o capitão escolheu a rota do sol, que permitiria aos tripulantes 
curtir o verão durante os dez anos de travessia pelo mar.   
E 
foi assim que o velejador adentrou os mares, chegou ao Hawaii, cruzou o Pacífico 
por localidades exóticas e paradisíacas como a Polinésia Francesa (e outras 
ilhas da Oceania), Nova Zelândia, Austrália e Indonésia. Após aportar no sudeste 
asiático, passou pela Índia e o Oceano Índico, velejou no Mar da Arábia, 
passando depois pelo estreito Mar Vermelho (que margeia países árabes e 
africanos). Continuando a jornada, ele cruzou o Canal de Suez, no Egito, para 
chegar ao famoso Mar Mediterrâneo, onde visitou diversas localidades da costa europeia, desde as Ilhas Gregas até a Sicília (Itália) e o litoral sul da 
Espanha. No sul da Península Ibérica ele cruzou o Estreito de Gibraltar e 
alcançou o oceano Atlântico, para margear o noroeste africano, passar por Cabo 
Verde (África) e, finalmente, aportar no Brasil, primeiro em Fernando de 
Noronha, depois Maceió (casa de João Sombra) até chegar a Santos, onde terminou 
a viagem em agosto de 2006. 
O 
objetivo de João Sombra sempre foi o de fazer uma longa viagem, aproveitando com 
a família para conhecer demoradamente a cultura, os costumes e as belezas dos 
lugares que visitava e mais gostava. Em Bali, por exemplo, o velejador chegou 
com a intenção de ficar dois meses, mas acabou ficando dois anos “Nossa ideia 
sempre foi fazer a volta ao mundo, e não simplesmente correr ao longo dele. E 
foi uma experiência fantástica”, indicou o capitão.   
 
DA 
ESQUERDA PARA A DIREITA: Os proprietários da Cafeteria Bambaé , o capitão João 
Sombra e seu amigo, Paulo
 
 Da 
notoriedade a paradisíaca Indonésia 
  
Mais de seis anos se passaram desde que João Sombra retornou ao Brasil após sua 
triunfante viagem de volta ao mundo a bordo do veleiro Guardian. Seus 10 anos de 
mar renderam boas amizades com gente do mundo todo e algumas ótimas histórias. 
Ele escreveu livros, participou de programas como Fantástico e Globo Esporte 
contando sua aventura, e foi  também entrevistado por Jô Soares.   
Seria impossível sintetizar em um texto de jornal todas as experiências 
vivenciadas por esse velho lobo do mar, mas alguns lugares ficaram especialmente 
marcados pelo velejador. A bordo do Guardian, João Sombra e sua família 
encontraram na Indonésia (especialmente em Bali) um pedaço do paraíso. “Ventos 
brandos águas luxuriantemente belas e calmas dão a tônica nesta nossa passagem 
por Bali, um ambiente tropical que obviamente nos leva a lembrança de nosso 
nordeste brasileiro. Vulcões, templos, locais incrivelmente imaculados ainda 
encerram em si a beleza exuberante de uma natureza tão diferenciada para nos 
ocidentais; pássaros de rara plumagem, pequenos camaleões que voam, os dragões 
de Komodo, macacos que comem mariscos e pescam, e toda uma gama de fantásticas e 
novas descobertas”, relatou Sombra em um artigo . 
A 
Indonésia é um país que traz em seu bojo várias culturas e mais de mil 
diferentes dialetos, apesar de ter o idioma indonésio como elemento de 
integração nacional; “Ao visitante que chega a Indonésia, nota-se uma aura de 
simpatia e de sorriso imediato por parte dos locais. O pessoal por lá é feliz, 
mesmo carecendo de aspectos básicos para nós, pessoas ocidentalizadas”, indica o 
velejador.  
Tempestades, tsunamis e navios cargueiros  
Apesar de não serem regra, alguns perigos também rondam os velejadores errantes 
que desbravam os mares, como as tempestades. “Ventos fortes, potentes rajadas de 
até 70 nós, chuva intensa. Nos deparamos muitas vezes com este cenário, Mas este 
é o ciclo natural das tempestades tropicais. Inicialmente os relâmpagos, raios e 
trovões, seguido de fortes ventos, precedendo a chuva forte que acalma tudo para 
depois vir a calmaria”.   
Porém, o mar também guarda segredos que podem resultar em catastróficas 
destruições. Em dezembro de 2004, durante a histórica tsunami que devastou parte 
da Ásia e Oceania, e que resultou em mais de 200 mil mortos, o veleiro Guardian 
estava aportado em Phuket, na Tailândia, perto do olho da tsunami. “Felizmente, 
em meio a todo aquele caos, nossa embarcação estava afastada da onda gigante, e 
nós fomos evacuados com urgência pouco antes da onda devastar a cidade. Mas o 
pânico se espalhava, muita gente morreu e cidades foram destruídas. Já eu e 
minha família, sãos e salvos, aprendemos uma lição do quanto o mar pode ser 
furioso”. 
Outros perigos são obras de seres-humanos. Em seu site, João Sombra conta do 
terror instaurado por alguns navios cargueiros, que além de estarem envolvidos 
com pirataria também atacam veleiros pelos oceanos. “Em 1998, quando navegávamos 
de Tonga para Nova Zelândia em comboio com mais 3 veleiros, um destes foi 
literalmente atacado por um navio cargueiro. Em 1999, quando chegávamos a costa 
Australiana, na altura do inicio da grande barreira de corais, sofremos um 
ataque por um revoltado navio cargueiro que poderia ter acabado em tragédia, não 
fosse a nossa presença de espírito”.O capitão aponta como razão para a ira 
inconsequente dos navios cargueiros contra os veleiros a uma espécie de 
desequilíbrio mental  desenvolvido pelas tripulações, oriundo das diferenças 
entre a vida no mar e em terra firme, além de um sentimento de inveja alimentada 
contra a vida tranquila dos velejadores de cruzeiro. 
   
A paradisíaca 
Phuket (Tailândia): Neste cenário belíssimo, o capitão João Sombra presenciou
a 
fúria dos mares encarnada numa tsunami
 
 Da 
caça submarina a exuberante Nova Zelândia  
Os 
muitos anos de cruzeiro desenvolveram em João Sombra alguns gostos não muito 
comuns para a grande maioria da população, como a caça submarina. “Desenvolvi 
com o tempo um gosto muito grande pela pesca, e acabei me tornando também um 
caçador submarino. Usa-se um arpão e equipamento de mergulho para ir atrás dos 
grandes peixes que vivem no oceano. É um prazer que divido com meu filho mais 
velho, Alexandre, um caçador de polvos”. 
E 
com uma vida tão singular, e após tanto tempo velejando, a rotina em terra firme 
não era mais suficiente para o capitão, que se mantêm sendo um homem do mar, com 
um destino errante. “Uma nova viagem de volta ao mundo já está em curso, e só 
não estou velejando agora porque meu barco está passando por reparos na Nova 
Zelândia”.   
Aliás, as duas distantes ilhas da Oceania que juntas formam a Nova Zelândia 
tornaram-se mais do que um porto seguro para João Sombra. Por lá, na tranquila e 
exuberante Bay of Islands (Baia das Ilhas, ao norte da Nova Zelândia), o 
velejador possui uma residência. A beleza única do país (com suas surpreendentes 
formações vulcânicas e milhares de pequenas ilhotas próximas a costa), a 
receptividade da população neozelandesa,  a paixão local por veleiros e a 
singular história dos povos nativos: juntos, estes foram os principais atributos 
que levaram João Sombra a se apaixonar pelo país. 
 “Mil anos antes dos portugueses, os povos polinésios já velejavam e chegavam a 
lugares incrivelmente distantes, tendo em vista as suas rudimentares 
embarcações. A Nova Zelândia foi um dos últimos lugares do mundo a ser ocupado 
por homens, que lá chegaram vindos do Tahiti. O guerreiro povo Maori que se 
estabeleceu na Nova Zelândia mantém sua milenar tradição até hoje. Aliás, os 
Maoris são um caso singular no mundo, pois são o único povo “original” que não 
foi subjulgado pelos exploradores europeus, que lá chegaram na época das grandes 
navegações do século XVIII”, explica o velejador.   
O 
repórter que vos escreve esta matéria também viveu por um tempo na Nova 
Zelândia, e divide com João Sombra o gosto por esse país. Formada principalmente 
por uma população de nativos maoris e descendentes de colonizadores britânicos, 
o povo neozelandês (ou kiwi) é prestativo e amistoso em geral, é viciado em 
pesca, rugby e prioriza uma vida sem tantos stresses. É um dos países mais belos 
do mundo, e também um dos mais desenvolvidos. Em contradição ao Brasil, foi 
eleito por 4 anos consecutivos como o país menos corrupto do mundo.  
A 
má-fama dos brasileiros e as contradições do Caribe  
Um 
sentimento que se mostrou recorrente em suas viagens com o Guardian, e que 
chateia João Sombra, foi a má-fama ligada aos  brasileiros viajantes. 
“Infelizmente, já se criou um preconceito com relação aos brasileiros em muitos 
países do exterior. Casos de brasileiros envolvidos com prostituição, furtos, 
calotes se espalham por diversos países, e a má-fama de nossa gente foi se 
construindo. Essa má-fama fortalece a imagem negativa e preconceituosa que 
muitos gringos carregam acerca de nosso país. É claro que isto não é regra, a 
maioria dos brasileiros são boa gente, honestos, gentis e calorosos. Porém, a 
verdade é que brasileiros já fizeram muita merda por este mundo, se 
descontrolam, perdem o bom senso. Eu que vivi fora por muito tempo, penso que 
são umas poucas maçãs-podres sem caráter que espalham o “vírus da canalhice” por 
nosso país, gente que se orgulha da malandragem brasileira, do jeitinho para 
burlar as regras como se isso fosse algo bom” manifesta o capitão.   
Já 
no Caribe, Sombra percebeu claramente a distinção entre paisagens paradisíacas e 
uma população empobrecida. “Apesar das paisagens maravilhosas para um velejador 
(de lugares como Curaçau, e Aruba) nos deparamos em algumas das ilhas com um 
povo local hostil, furtos, gente pouco civilizada que parece carregar uma 
amargura pelos tempos de escravidão e pela exploração sofrida até hoje. 
(lembrando que a maioria das ilhas caribenhas foi explorado pelos europeus como 
grandes fazendas, onde predominava o trabalho escravo) 
Construção de novo polo pesqueiro em Torres 
Polo pesqueiro em Torres teria características semelhantes a Marina de Quarteira 
(em Portugal)  
Mas voltando para a realidade de nossas terras gaúchas, vale complementar que a 
estada do aventureiro João Sombra por Torres não é um mero acaso. Sua formação 
como arquiteto não foi esquecida em seus muitos anos como velejador, e o capitão 
na verdade se aprimorou numa área específica: é um arquiteto de Marinas. 
Com experiência internacional na área e desde agosto no litoral gaúcho, Sombra 
passou a desenvolver estudos focando a criação de polos pesqueiros e marinas em 
nosso estado. “Isso possibilitaria um novo desenho marítimo para a região 
costeira do Rio Grande do Sul, tornando assim mais seguro o navegar de barcos 
pesqueiros e veleiros”. 
Atuando em conjunto com a Metroplan e o governo do estado, projetos de marinas 
vêm sendo estudados por João Sombra para diferentes locais do RS. “O fato é que 
não há marinas estruturadas no RS. Em princípio estão sendo planejados a 
construção de 5 módulos destes tipo de Marinas e os dois polos náuticos 
pesqueiros na Barra do Mampituba, em Torres e na Barra do Imbé”, detalha.  
 
Aqui em Torres, o polo pesqueiro planejado iria alterar o visual dos nossos 
molhes, e ampliar as possibilidades de navegação. Os molhes (tanto de Torres 
quanto de Passo de Torres) seriam alargados e remodelados.  Em relações as ondas 
do local, João Sombra admite que a estrutura provavelemnte acabaria com a onda 
no meio do rio, “porém uma nova onda pode surgir próxima aos novos molhes”, 
finaliza o esperançoso arquiteto e aventureiro. |