Adeus Kayan
Artigo da Folha da Barra – Revista da Barra de São Miguel – AL.
 

Kayan com o amigão Rogério (esquerda) e seu primo Antenor Porto (à direita).

Eras na vida a pomba predileta.

Escrever é duro. Escrever sobre a morte de um amigo é duríssimo. Escrever sobre a morte inesperada e banal de um amigo jovem, bem-sucedido e de um futuro invejável é infinitamente duro. Dói; doerá mais, entretanto, se não escrever, ou seja, não extravasar em signos (palavras) todos os sentimentos, todas as emoções que latejam cá dentro. 

Pode-se aqui, portanto, nestas sinceras linhas extravasar ou prestar uma homenagem a quem de fato sempre mereceu receber em vida. O momento é incomum, dolorido, mas falemos desse ser humano jovial de corpo e de espírito, amigo da aventura, encantadíssimo com a vida. Por que, meu Deus? Por que alguém que sente alegria em viver; alguém que desfruta (e sabe bem) da vida o que de mais rico e intenso ela tem é obrigado a deixá-la? E morrer fazendo o que ele mais apreciava (ah! Insensível pretérito imperfeito): mergulhar. Não, não há respostas; só indagações. 

Como diria Clarice Lispector, eis aí a única coisa que nos espera: o inesperado. E ele chegou em toda sua discrição. A Barra de São Miguel acaba de perder uma liderança promissora porque o inesperado é cego. A política barrense está mais pobre; o gosto barrense pela aventura está mais pobre; os círculos barrenses de amizade estão mais pobres. Resumindo: a cidade ficou mais triste. 

Mas a morte não vence! Não, ela não vence: gestos, sorrisos, a voz inconfundível, uns passos também inconfundíveis – de vez em quando vamos senti-los, apesar do tempo, esse monstro voraz, vir avançando e querendo consumir toda a lembrança. Tempo e morte são cúmplices; a lembrança, contudo, enfrenta-os. Sabe-se lá como. Teu sorriso, cara, vai ser visto em algum rosto mesmo depois de muitos anos. A pessoa que você foi deixa impressões, marcas tatuadas na memória de cada um que o conheceu. 

Kayan, você está vivo. Segundo a filosofia oriental – sobretudo o hinduísmo e o budismo -, você não foi criado a partir do útero – já era em algum tempo; você não morrerá, pois, com esse final da matéria porque você é sempre. Esteve por aí antes de nascer e estará mesmo depois desse sumiço físico. Nós sentimos isso. Nós sentiremos como agora, cabisbaixos, sentimos sua ausência física.
 

Nado Torres / Diretor Folha da Barra – Revista da Barra de São Miguel – AL.

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